6Οἱ μὲν οὖν συνελθόντες ἠρώτων αὐτὸν λέγοντες· κύριε, εἰ ἐν τῷ χρόνῳ τούτῳ ἀποκαθιστάνεις τὴν βασιλείαν τῷ Ἰσραήλ; 7εἶπεν δὲ πρὸς αὐτούς· οὐχ ὑμῶν ἐστιν γνῶναι χρόνους ἢ καιροὺς οὓς ὁ πατὴρ ἔθετο ἐν τῇ ἰδίᾳ ἐξουσίᾳ, 8ἀλλὰ λήμψεσθε δύναμιν ἐπελθόντος τοῦ ἁγίου πνεύματος ἐφ᾽ ὑμᾶς καὶ ἔσεσθέ μου μάρτυρες ἔν τε Ἰερουσαλὴμ καὶ [ἐν] πάσῃ τῇ Ἰουδαίᾳ καὶ Σαμαρείᾳ καὶ ἕως ἐσχάτου τῆς γῆς. (Acts 1:6-8)

“Por um lado, os que se reuniam perguntavam-lhe dizendo: Senhor, seria este o tempo de tu restaurares o reino para Israel? Por outro lado, respondeu-lhes: ‘não compete a vocês saber tempos ou períodos estabelecidos pelo Pai na sua própria autoridade. Antes, receberão poder descendo o Espírito Santo sobre vocês e serão minhas testemunhas em Jerusalém e toda a Judeia, e Samaria e até os confins da terra’.” (minha tradução)

A ESTRUTURA DO TEXTO

Há três elementos que estruturam este trecho criando uma unidade: 1. O particípio articular Οἱ μὲν οὖν συνελθόντες; 2. A relação entre μὲν e δὲ; 3. A relação entre a negativa οὐχ e ἀλλὰ. Além disso, o discurso direto com os verbos ἠρώτων (“perguntavam”) e εἶπεν  (“disse”).

O particípio aoristo com artigo Οἱ συνελθόντες (“os que se reuniam”) é usado com estes alvos: 1. Marcar a introdução de uma nova seção; 2. Evocar o frame OS QUE SE REUNIAM EM ADORAÇÃO expressando contexto de situação de culto 3. Criar ligação com a subseção anterior em que Jesus está a dar instruções aos discípulos.

Os versículos 6-8 criam um chunking sob o tema “O Reino de Deus”. A partícula μὲν seguida por δὲ cria uma expectativa para o leitor. O cerne é a informação introduzida por δὲ. Ou seja: o texto marca como proeminente a fala de Jesus tendo como plano de fundo a pergunta dos discípulos.

Outra estrutura se dá pela construção οὐχ seguida por ἀλλὰ gerando um sentido de retificação. Jesus reorienta a pergunta dos discípulos no sentido de orientá-los a se atentarem ao que é importante para eles. Essa reorientação da perspectiva dos discípulos expressa imposição da vontade de Jesus sobre eles.

A FORMA DO FUTURO NÃO É TEMPO FUTURO

Há duas formas no futuro usadas λήμψεσθε (“receberão”) e  ἔσεσθέ (“serão”). Na primeira, temos o recebimento de poder quando do derramamento do Espírito Santo. No segundo, o torna-se discípulo quando do empoderamento do Espírito.

A forma do futuro no grego tem sido debatida em relação à  sua semântica (i.e, significado). Meu alvo aqui não é discutir esta questão, mas apresentar algumas explicações dadas para a forma do futuro no grego, mas considero que a semântica do futuro é a de virtualidade. A forma do futuro é entendida como: 1. Expectativa (PORTER, 1993); 2. Intenção (MCKAY, 1994); 3. Imposição de autoridade (HUFFMAN, 2014).

O significado de “expectativa” se encaixa no trecho no sentido de Jesus esperar o cumprimento da promessa do Espírito Santo. Principalmente, a expectativa da vinda do reino de Israel. O significado de “intenção” expressa a imposição da vontade de Jesus sobre o que ele deseja que os discípulos façam: sejam testemunhas. O significado de “imposição da autoridade” de Jesus sinaliza que o Cristo ressurreto se impõe sobre os discípulos.

Nas três concepções sobre a forma no futuro, a ênfase não está numa perspectiva cronológica de tempo, mas no futuro como modalidade, a expressão da subjetividade do falante. O conceito de virtualidade serve para encapsular os vários significados expressos acima. Neste sentido, futuro como virtualidade quer dizer a projeção no sentido da linguística cognitiva: a projeção de um domínio da experiência sobre outro domínio da experiência. Por outras palavras, a situação imediata é interpretada com base nas expectativas, intenções, a antecipação e imposição da vontade sobre a realidade imediata. O futuro, no final das contas, é uma forma de virtualidade do que está distante do fisicamente presente e imediato.

No trecho selecionado, existem dêiticos que servem para expressar o sentido de tempo futuro (ἐν τῷ χρόνῳ τούτῳ e χρόνους ἢ καιροὺς). O referente τὴν βασιλείαν τῷ Ἰσραήλ (o reino de Israel) carrega também ideia de tempo futuro, visto que, no Antigo Testamento, foram feitas promessas de restauração do reino de Israel sobre as outras nações.

OUTRAS FORMAS DE EXPRESSAR AUTORIDADE

O efeito de sentido de autoridade é ainda desencadeado pela oração relativa οὓς ὁ πατὴρ ἔθετο ἐν τῇ ἰδίᾳ ἐξουσίᾳ na medida em que especifica a referência nominal καιροὺς. O sintagma preposicional ἐν τῇ ἰδίᾳ ἐξουσίᾳ (na sua própria autoridade). A preposição ἐν traz ideia espacial de um objeto estar dentro de certo limite. Considerando toda a sentença, o tempo da restauração do reino está limitado pela autoridade divina. Dito de outro modo, expressa a imposição da vontade de Deus sobre a restauração de Israel.

O uso da partícula εἰ (“se”), associada ao vocativo κύριε (“Senhor”), cria efeito de sentido de polidez de modo a atenuar a questão colocada pelos discípulos. Por outras palavras, ao formular a pergunta, a responsabilidade do enunciado é lançada para Jesus. A fim de atenuar certa imposição dos discípulos sobre Cristo, é usada a partícula εἰ.

O indicativo presente (ἀποκαθιστάνεις) indica asserção aproximada; ou seja: há maior aproximação e envolvimento dos falantes (i.e, os discípulos) buscando chamar a atenção dos leitores. Por outras palavras, o indicativo presente marca presença explícita dos sujeitos envolvidos na situação, os discípulos. O indicativo presente, marcando maior presença do sujeito e envolvimento dos leitores, sinaliza proeminência dada no texto, aquilo que se considera importante.

A estrutura formada de particípio aoristo ἐπελθόντος τοῦ ἁγίου πνεύματος com o sintagma preposicional ἐφ᾽ ὑμᾶς cria efeito de imposição da vontade de Jesus sobre seus discípulos. O particípio aoristo ἐπελθόντος (“descendo”) indica significado espacial de algo que vem de cima para baixo criando certo efeito de superioridade. O sintagma nominal τοῦ ἁγίου πνεύματος (“o Espírito Santo), considerando o plano de fundo do AT, traz ideia de superioridade: o particípio ἐπελθόντος, com o sintagma τοῦ ἁγίου πνεύματος, evoca o frame DERRAMAMENTO DO ESPÍRITO, tema do AT. Por fim, o sintagma preposicional ἐφ᾽ ὑμᾶς formado pela preposição ἐπί (“sobre”) reforça a ideia de superioridade.

IMPONDO UMA CONCLUSÃO

Lucas organiza o trecho selecionado em torno do poder de Jesus em comissionar seus apóstolos para serem suas testemunhas quando da descida do Espírito Santo. A atuação da trindade na história da salvação expressa que o poder de salvar pertence a Deus e não ao indivíduo.

O pai estabeleceu o tempo de restauração, que está associado à criação de uma nova ordem por meio da nova humanidade. O Filho é aquele que, por sua ressurreição, é o que concede o Espírito. Este, por sua vez, evoca o contexto do AT em que a presença do Espírito caracteriza a presença de Deus e a criação de nova vida.

As escolhas da gramática grega feitas por Lucas expressam como o autor está criando teologia e não simplesmente narrando fatos históricos. Dito de outra forma, narrar é o recurso literário para fazer teologia.

REFERÊNCIAS

HUFFMAN, D. Verbal Aspect and Greek Prohibitions. Londres: Peter, Lang, 2014.

MCKAY, K. A New Syntax of the Verb in the New Testament Greek: An Aspectual Approach. New York: Peter Lang, 1994.

PORTER, S. Verbal Aspect in the Greek of the New Testament, with reference to tense and mood. New York: Peter Lang, 1993.

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