1. Partindo de um lugar comum
Você sabia que a salvação é uma metáfora? No primeiro momento, assusta ler que a salvação é uma metáfora, porque nós tendemos a entender a metáfora como algo que se passa na nossa mente ou como um mero uso da linguagem para criar algum efeito artístico como os autores da literatura costumam fazer.
Porém a metáfora é uma estratégia da nossa mente e que faz parte da linguagem para que nós nos comuniquemos melhor com os outros, a fim de transmitirmos informações e as pessoas compreendam o que nós estamos dizendo.
As metáforas são bastante utilizadas, não só no Antigo Testamento, mas no Novo Testamento para desenvolver teologia. O apóstolo Paulo foi um dos que mais utilizou metáfora. No trecho de colossenses 1:13, ele usa duas metáforas. A primeira é uma metáfora espacial. A segunda chamarei de metáfora teológica, a do novo êxodo[1]. Esta segunda metáfora está fundamentada na metáfora espacial.
2. Saindo de um lugar comum
2.1 Considerações exegéticas
ὃς ἐρρύσατο ἡμᾶς ἐκ τῆς ἐξουσίας τοῦ σκότους καὶ μετέστησεν εἰς τὴν βασιλείαν τοῦ υἱοῦ τῆς ἀγάπης αὐτοῦ, (Col. 1:13)
Ele nos resgatou do perigo da potestade das trevas e nos transportou para o Reino do Filho do seu amor (adaptado de ARC)
A preposição ἐκ (de) tem o sentido espacial de perceber um objeto que está dentro de um local fechado e vai saindo desse local distanciando-se dele. Ao usar o sintagma preposicional com palavras no caso genitivo (ἐκ τῆς ἐξουσίας, “da potestade das trevas”), Paulo expressa que os colossenses estavam dentro da potestade das trevas e foram resgatados de lá afastando-se deste local. Dessa forma, Paulo metaforiza o mal ou o pecado como estar dentro de um local, preso nele. Já a salvação significa sair deste local sendo distanciado cada vez mais daquele local.
Este sintagma preposicional (ἐκ τῆς ἐξουσίας τοῦ σκότους) serve para especificar o verbo principal (ἐρρύσατο) fornecendo detalhes sobre a ação realizada por Deus (ὃς, “que”, faz referência a Deus, descrito no versículo anterior).
O verbo principal “resgatar” (ἐρρύσατο), que está no indicativo aoristo. Indicativo quer dizer asserção; ou seja: 1. O falante tem a expectativa de que seus leitores conheçam o que está sendo informado ou 2. Os leitores, já conhecendo a informação, tomam-na como verdade (take for granted).
Ao usar o aoristo, Paulo apresenta a informação de forma distanciada no sentido de levar o leitor a percebê-la como um fato concreto, como algo realizado e objetivo, embora distante fisicamente dos leitores, sendo, portando, parte da memória do conhecimento do apóstolo e de seus leitores.
Em suma, o indicativo aoristo, asserção distanciada, cria o efeito de sentido de objetividade dos eventos narrados. Paulo narra a salvação como um fato concreto realizado por Deus por intermédio de Jesus.
2.2 Salvação como metáfora
A metáfora consiste em expressar ou interpretar uma coisa em termos de outra, partindo geralmente do fácil ao difícil, do concreto ao abstrato, do conhecido ao desconhecido.
Usamos a metáfora no nosso dia para fazer com que os outros nos compreendam. Esta é a principal função da metáfora: entrarmos em interação com os outros, buscando que nos compreendam. Dessa forma, ao usar a metáfora, tenho como alvo no uso da língua levar o outro a entender do que eu estou falando.
A metáfora parte então de um conhecimento de mundo de experiência, de uma situação específica, que é compartilhada entre as pessoas que estão na interação de conversa ou de diálogo. Por esse motivo, as metáforas estão associadas às culturas específicas do uso de determinada língua. A metáfora, portanto, não é apenas um uso estilístico como na literatura. Mas é a maneira pela qual nós nos comunicamos. E mais: é a forma pela qual pensamos. A metáfora faz parte do nosso próprio pensamento.
Em colossenses 1:13, observa-se uma metáfora espacial. Metáfora espacial, aquela que tem como base a experiência mais básica da realidade, que é a noção de espaço. Todos nós nos orientamos no espaço. Ele não é uma coisa criada da nossa mente, mas se organiza na própria estrutura externa à nossa mente, ao percebermos como os objetos e as pessoas estão dispostos em determinadas posições e como nós mesmos nos deslocamos de um lugar para o outro.
Na passagem em análise, existe a metáfora da salvação como sair de um lugar e ser levado para outro. Essa metáfora mais básica no sentido de ser a explicação da criação da metáfora do Novo Êxodo.
Isso nos ajuda a perceber, dentre outras coisas, que o desenvolvimento de uma teologia. ou de alguma doutrina não se dá simplesmente por uma abstração teórica. Antes os autores do Novo Testamento utilizaram metáforas para a elaboração de determinadas doutrinas. Um exemplo disso, sem entrar em detalhes, é como Paulo utiliza a criação para falar da salvação em termos de nova criação. O apóstolo usa expressões como “novo homem” (nova humanidade), “nova vida”, “nova criatura”. Todas essas expressões tem como base a criação referida em Gênesis, de sorte que Jesus inaugura Nova Criação.
Em Colossenses 1:13, a salvação é metaforizada em termos espaciais. Somos deslocados de um lugar para outro lugar. A ideia concreta de espaço ajuda-nos a entender o sentido abstrato de salvação. Salvação significa ser deslocado de um local para outro. Especificamente, ser deslocado do Império das trevas para o Império do Reino do filho de Deus.
2.3 Salvação como Novo Êxodo
O êxodo de Israel no Antigo Testamento é uma das narrativas mais conhecidas pelas pessoas. Mas não somente isso. Esta narrativa da libertação do povo de Israel é utilizada pelo apóstolo Paulo. Para desenvolver a sua teologia da criação. Ou da nova criação. Paulo usa o êxodo Israelita para elaborar a teologia da salvação em termos de sair de um lugar e ser levado para outro. O texto, ele usa a expressão sai. Império das trevas, ser libertado do Império das trevas e depois ser transportado para o Império do filho de Deus.
3. Chegando a um lugar com a metáfora espacial
A teologia se faz com metáforas dentro de situações concretas da cultura e da língua de um povo. Paulo usa o conhecimento do Antigo Testamento para criar o alicerce a partir do qual desenvolve sua teologia do Novo Êxodo. A teologia do Novo Êxodo é possível de ser observado no profeta Isaías e no evangelho de Marcos.
Por meio de metáforas entendemos melhor conceitos virtuais como o de salvação partindo da experiência comum da noção de espaço. Temos corpos que são limitados e orientados por relações espaciais. A teologia do Novo Êxodo tem como alicerce a metáfora espacial de SER DESLOCADO DE UM LUGAR E LEVADO PARA OUTRO. Na verdade, este é um dos sentidos mais virtuais do que é a salvação.
[1] Não estou aqui falando de Novo Êxodo como algo novo sendo de minha autoria. Na literatura teológica, este tema é bastante explorado. O que há de novo no que apresento é a metáfora espacial (encontrada na linguística cognitiva) como base virtual da metáfora do Novo Êxodo.