JESUS E PEDRO: QUEM É A PEDRA?

INTRODUÇÃO

O texto em que Jesus fala da “edificação da igreja sobre a pedra” é um dos que traz bastante debate sobre o referente “sobre esta pedra”. Este debate tem consequências teológicas entre protestantes e católicos.

Por um lado, a respeito deste texto, meu alvo não é refutar nenhuma posição, visto que para isso seria preciso um trabalho hercúleo que não pode ser realizado em um artigo.

Por outro lado, apresento algumas considerações usando a linguística cognitiva que me levam a concluir que o referente “esta pedra” não se refere nem a Jesus nem a Pedro.

Na primeira parte apresento alguns conceitos linguísticos que vão fundamentar a minha análise. Tento apresentá-los em uma linguagem simples para ser alcançado por um público maior.

Na segunda parte, faço análise de todo o texto de Mateus 16:13-19 dividindo o texto em três partes: 1. a introdução (fala de Jesus aos discípulos); 2. a fala de Pedro e 3. a fala de Jesus.

Na terceira, detenho-me a analisar Pedro como tendo a chave do reino dos céus.

Por fim, as considerações finais arrematando o texto e sugerindo ao leitor a leitura de um outro artigo sobre a palavra οὗτος (este), importante para a compreensão da passagem.

CONCEITOS BÁSICOS EM LINGUÍSTICA

Sem querer ser muito técnico, mas precisando entrar um pouco em nomenclatura especializada, apresento ao leitor alguns conceitos que servem de guia para interpretar o texto.

São eles: referente temático, figura/fundo e anáfora.

Quando lemos textos escritos ou falados, há um tema; trata-se de alguma coisa que pode mudar ao longo do texto, se ele for falado. O tema de um texto é chamado de referente temático. Ou seja: faz-se a seguinte pergunta – do que estão falando?

Quando mencionamos um referente pela primeira vez, no português, usamos artigo indefinido. Quando o mesmo referente já mencionado pela primeira vez aparece outras vezes, no português, ele vem com artigo definido.

Ex.:

Um menino chamado Carlos foi encontrado morto nas proximidades do rio Jaguaribe. O menino Carlos estava sozinho quando encontrado seu corpo, mas moradores dizem que ele estava acompanhado de uma mulher loira.

Os temos “o menino Carlos”, “seu corpo” e “ele” fazem referência ao referente “um menino chamado Carlos”. Esse recurso de retomar o referente introduzido é chamado de anáfora.

Anáfora é estratégia textual de retomada de um referente mencionado anteriormente.

A anáfora é importante para a manutenção do referente temático avisando ao leitor do que se está falando.

Em um texto, todos os referentes são importantes, mas não pelos mesmos motivos. Ainda no nosso exemplo, temos os seguintes referentes: Carlos, rio Jaguaribe e moradores.

Se eu perguntar para você qual deles é o mais importante, você me dirá que é Carlos. Você acertou.

Na linguística, o referente mais importante é chamado de figura.

E os demais referentes (rio Jaguaribe e moradores) não são importantes? Eles são secundários servindo de fundo. Fundo quer dizer a base, o alicerce para entender algo.

Ou seja: para compreendermos melhor o referente principal (figura) precisamos entender aqueles que são secundários (fundo).

Dito de outra forma, compreendemos melhor o referente “Carlos” ao associá-lo com os referentes “rio Jaguaribe” e “moradores”.

 No texto de Mateus 16: 13-19, temos os seguintes referentes: Jesus, os discípulos (apóstolos) e Pedro.

ANÁLISE DE MATEUS 16:13-19

Organizo o texto com base no conceito em psicolinguística chamado de chunking (maço, bocado). Significa que absorvemos porções, maços de informações no texto, em pequenas unidades; como se fossemos comer uma comida, não o fazemos de uma vez, mas em partes.

Há três chunkings no texto.

1. A pergunta de Jesus e a resposta dos discípulos.

2. A resposta de Pedro em relação à de Jesus.

3. A resposta de Jesus em relação à de Pedro.

[CHUKING 1 –  Jesus e os discípulos, vv.13-15]

Ἐλθὼν δὲ ὁ Ἰησοῦς εἰς τὰ μέρη Καισαρείας τῆς Φιλίππου ἠρώτα τοὺς μαθητὰς αὐτοῦ λέγων· τίνα λέγουσιν οἱ ἄνθρωποι εἶναι τὸν υἱὸν τοῦ ἀνθρώπου; οἱ δὲ εἶπαν· οἱ μὲν Ἰωάννην τὸν βαπτιστήν, ἄλλοι δὲ Ἠλίαν, ἕτεροι δὲ Ἰερεμίαν ἢ ἕνα τῶν προφητῶν. λέγει αὐτοῖς· ὑμεῖς δὲ τίνα με λέγετε εἶναι;

13Indo Jesus para os lados de Cesareia de Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem? 14E eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas. 15Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? (ARA)

A narrativa gira em torno de uma pergunta feita por Jesus de modo a serem intercaladas às resposta dos discípulos e à de Pedro. É importante notar que, embora Pedro faça parte dos discípulos, ele é destacado em relação a eles. O referente temático (o tema central da narrativa) é τὸν υἱὸν τοῦ ἀνθρώπου (o Filho do homem).

Jesus é [re]introduzido com uso de artigo ὁ Ἰησοῦς. Isso acontece no grego por considerar quem, tendo um referente sido introduzido anteriormente ou conhecido dos leitores em suas memórias, quando é reintroduzido (seria esse o caso de Mt 16:13), Jesus é apresentado como sendo um referente já conhecido o leitor, por isso o uso do artigo.

No versículo 13, temos a referência aos discípulos de Jesus τοὺς μαθητὰς αὐτοῦ (os seus discípulos), sendo uma metonímia para Pedro, que será (re)introduzido adiante. O artigo τοὺς também explicita ao leitor que este sabem quem são os discípulos (os Doze apóstolos).

O artigo em οἱ δὲ εἶπαν faz referência aos discípulos. A presença do artigo tem a função de marcar aos leitores que estes são referentes conhecidos. O artigo οἱ é uma metonímia para τοὺς μαθητὰς αὐτοῦ (os seus discípulos) indicando que eles estão sendo reintroduzidos no texto.

Sendo assim, o uso adiante de Σίμων Πέτρος (Simão Pedro) nos leva a concluir que Pedro está sendo reintroduzido no texto, mas sem o artigo.

Notemos, em οἱ μὲν Ἰωάννην τὸν βαπτιστήν, que o artigo οἱ retoma anaforicamente o referente οἱ ἄνθρωποι (os homens) na pergunta de Jesus. As palavras ἄλλοι e ἕτεροι também servem para reintroduzir esse mesmo referente.

A pergunta de Jesus e a resposta dos discípulos serve de fundo para salientar a resposta que Pedro dará a seguir. Ou seja: a resposta de Pedro é figura (mais importante) em consideração à resposta dos discípulos (fundo).

[CHUKING 2 –  A resposta de Pedro a Jesus, v.16]

ἀποκριθεὶς δὲ Σίμων Πέτρος εἶπεν· σὺ εἶ ὁ χριστὸς ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ τοῦ ζῶντος.

16Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. (ARA)

O referente “Simão Pedro” está sem artigo (Σίμων Πέτρος). No grego, quando um referente é introduzido pela primeira vez no texto, isso é feito pela ausência de artigo. Quando este referente é retomado, há o uso do artigo. A questão com  Σίμων Πέτρος é se devemos considerá-lo como mencionado pela primeira vez ou se como já tendo sido mencionando na narrativa anterior.

Se considerarmos a continuidade da passagem com toda a narrativa que vem sendo contada nos versículos anteriores, concluímos que Pedro já foi mencionado. Daí que a ausência do artigo sinaliza Pedro como personagem importante na narrativa.

Se considerarmos a narrativa por ela mesma, Pedro está sendo mencionado pela primeira vez, o que se conclui que ele está sendo apresentado no texto como novo referente. O que se alinha com o grego, porque, nesta língua, a introdução de um novo referente é sem artigo. Quando o referente é mencionado outras vezes no texto, espera-se que ele venha com artigo. Assim o artigo no grego tem função de anáfora.

Se considerarmos a expressão τοὺς μαθητὰς αὐτοῦ (os seus discípulos), o que incluiria Pedro, podemos dizer que, metonimicamente, Pedro já foi introduzido por essa expressão. Consequentemente, Σίμων Πέτρος, sem o artigo, sinaliza ao  leitor que Pedro é o personagem importante (figura) na narrativa.

Do ponto de vista textual, a ausência do artigo para Pedro e sua presença para Jesus sinaliza que Pedro é o participante principal até aqui na narrativa.

É de se considerar também a resposta redundante de Pedro com “respondeu e disse” (ἀποκριθεὶς, εἶπεν). O que faz com que Pedro se sobressaia ainda mais sobre os discípulos. Ou seja: Pedro é apresentado como o discípulo que se destaca na narrativa em relação aos demais discípulos.

Para deixar claro: a resposta de Pedro é mais importante em relação às respostas dadas pelos discípulos, que informam o que o povo pensa sobre o referente temático – τὸν υἱὸν τοῦ ἀνθρώπου (o Filho do homem).

A expressão τοῦ θεοῦ τοῦ ζῶντος (do Deus vivo [vivente]) está no caso genitivo. Sua função é especificar um referente fazendo o leitor acessar na sua memória o conhecimento sobre tal referente. Essa expressão “do Deus vivo” é bastante comum no AT remetendo ao SENHOR como o Deus de Israel. O genitivo com particípio evocam o mundo dos valores dos judeus sobre o Deus verdadeiro em relação aos falsos deuses.

[CHUKING 3 –  A resposta de Jesus a Pedro]

Ἀποκριθεὶς δὲ ὁ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῷ· μακάριος εἶ, Σίμων Βαριωνᾶ, ὅτι σὰρξ καὶ αἷμα οὐκ ἀπεκάλυψέν σοι ἀλλ᾽ ὁ πατήρ μου ὁ ἐν τοῖς οὐρανοῖς. κἀγὼ δέ σοι λέγω ὅτι σὺ εἶ Πέτρος, καὶ ἐπὶ ταύτῃ τῇ πέτρᾳ οἰκοδομήσω μου τὴν ἐκκλησίαν καὶ πύλαι ᾅδου οὐ κατισχύσουσιν αὐτῆς. δώσω σοι τὰς κλεῖδας τῆς βασιλείας τῶν οὐρανῶν, καὶ ὃ ἐὰν δήσῃς ἐπὶ τῆς γῆς ἔσται δεδεμένον ἐν τοῖς οὐρανοῖς, καὶ ὃ ἐὰν λύσῃς ἐπὶ τῆς γῆς ἔσται λελυμένον ἐν τοῖς οὐρανοῖς. Τότε διεστείλατο τοῖς μαθηταῖς ἵνα μηδενὶ εἴπωσιν ὅτι αὐτός ἐστιν ὁ χριστός.

17Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. 18Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus. 20Então, advertiu os discípulos de que a ninguém dissessem ser ele o Cristo.

 (ARA)

A redundância na resposta de Jesus também aparece com “respondeu e disse” (Ἀποκριθεὶς δὲ ὁ Ἰησοῦς εἶπεν). Temos aqui a fala de Jesus sendo destaca como figura em relação à resposta de Pedro (fundo). O foco não é tanto a pessoa de Jesus, mas o conteúdo de sua fala.

A resposta de Pedro serve de fundo para salientar a resposta de Jesus. Note que há mais coisas ditas por Jesus do que por Pedro. Ou seja: há maior nível de detalhamento de informações. A resposta de Jesus é figura (mais destacada) em relação à resposta de Pedro (fundo).

Até aqui podemos notar vários níveis de proeminência:

Resposta dos Discípulos

Resposta de Pedro

Resposta de Jesus

A dos discípulos como fundo para destacar à de Pedro (figura.). A de Pedro como fundo para enfatizar à de Jesus (figura). Todas as informações são importantes, mas não pelos mesmos motivos.

A partícula ὅτι serve para ecoar o pensamento ou fala de alguém. No contexto imediato, Jesus parece evocar a fala de Pedro no trecho anterior. É como se Jesus dissesse: isso que você afirmou Pedro não vem propriamente de você, mas é revelação de Deus”.

A partícula negativa οὐκ é usada para expressar o ponto de vista – conhecer pelo esforço humano (carne e sangue, σὰρξ καὶ αἷμα). A partícula ἀλλ (antes, mas) tem a função de retificar o ponto de vista anterior mostrando qual é o certo. Em suma: a afirmação de Pedro não vem da inteligência humana, mas da revelação divina. Por outras palavras, podemos entender “revelar” (ἀπεκάλυψέν) no sentido de entender uma verdade de Deus.

A expressão ὁ πατήρ μου ὁ ἐν τοῖς οὐρανοῖς (meu Pai que está no céus) tem a função de recategorizar o Pai como divino a partir da metonímia “no céu”. Dessa forma, Jesus reforça que Pedro apreendo ser Cristo o Filho do Homem como algo vindo do próprio Deus.

κἀγὼ δέ σοι λέγω (e eu digo a ti) – a expressão tem a explicitação do pronome κἀγὼ (e eu) no caso nominativo, enquanto o pronome σοι (a ti) está no caso dativo.

Porter afirma que o caso dativo é o da relação. Por outras palavras, podemos dizer que Jesus está estabelecendo uma relação com Pedro. Que relação é esta? O texto nos dá informação sobre isso.

Do ponto de vista da linguística cognitiva (LC), podemos entender os casos nominativo e dativo em termos de figura e fundo, respectivamente. O nominativo é o termo figura no sentido de ser o mais importante, ao passo que dativo é o termo fundo no sentido de ser o que serve de base para entender melhor aquele que está na posição de figura (destaque).

Na LC, o significado de uma forma (gramatical ou palavras) é determinado pela relação entre figura e fundo[1]. Por exemplo, entendemos o conceito PAI a partir da relação com outros conceitos: FAMÍLIA, MULHER/ESPOSA, FILHO, PROTEÇÃO, TRABALHO.

Aplicando ao nosso texto, o referente κἀγὼ (Jesus) é compreendido com base em σοι (Pedro). Isso é uma metáfora. Metáfora é entender uma coisa com base em outra. Ou seja: o caso dativo (σοι) é a base/fundamento para interpretar o referente no caso nominativo (κἀγὼ, e eu)

Simplificando: Jesus tomando como base o nome de Pedro (Πέτρος) faz um trocadilho ao associar seu nome com “pedra” (ταύτῃ τῇ πέτρᾳ) para afirmar o fundamento da igreja.

A chave aqui é o pronome ταύτῃ (esta). O debate é se ele se refere a Jesus ou a Pedro. A meu ver, o referente não é dêitico, mas textual. É uma anáfora.

Dêitico quer dizer quando uma palavra faz referência a algo que existe na realidade e não no texto.

Mas usamos palavras para se referirem ao que já foi mencionado anteriormente dentro texto. Isso é chamado de anáfora.

Levinsohn afirma que o pronome οὗτος  (αὕτη τοῦτο [que está declinado como ταύτῃ]) tem a função textual de ser referente temático[2]. O referente temático é o tema que está sendo tratado em um texto. Na narrativa, o referente  temático é QUEM É O FILHO DO HOMEM.

Ao usar “sobre esta pedra” (καὶ ἐπὶ ταύτῃ τῇ πέτρᾳ), Jesus faz um trocadilho com nome de Pedro em virtude da resposta que ele deu sobre Jesus, para ligar textualmente com o referente temático – O FILHO DO HOMEM É O FUNDAMENTO DA IGREJA.

Do ponto de vista linguístico, como eu apresento aqui, “esta pedra” não é nem Jesus nem Pedro, mas o referente temático “o Filho do Homem”.

A fala de Pedro serve, TEXTUALMENTE,  como função de manter o referente temático até chegar ao ponto principal da narrativa, que é a fala final de Jesus nesta passagem.

PEDRO, AS CHAVES DO REINO E METONÍMIA

Existe uma técnica narrativa dentro dos estudos de literatura que não usei, mas menciono aqui, é a da fala das personagens. Dentre os vários usos das falas de personagens, dois deles são marcar um ponto importante na narrativa e caracterizar as personagens[3].

Partindo disto, as falas de Pedro e Jesus são as mais importantes em relação às dos discípulos.

Além disso, elas servem para caracterizar tanto Jesus como Pedro. Em linguística cognitiva, o processo de caracterização pode ser entendido como categorização – em que categoria uma pessoa ou coisa está. Ou seja: como classificamos as coisas.

Ou seja: não é o personagem Pedro que é importante em si, mas a sua fala.

Jesus é caracterizado como FILHO DO HOMEM, ao passo que Pedro é caracterizado como ALGUÉM QUE RECEBE AUTORIDADE DE JESUS.

O uso do futuro (“darei”, δώσω) na fala de Jesus têm a função de expressar a autoridade e poder de Jesus.

A ideia de “possuir as chaves” evoca no mundo antigo a ideia de autoridade sobre algo.

Por ser FILHO DO HOMEM, Jesus tem a autoridade sobre Pedro e sobre a igreja.

Por fim, em um outro artigo (Nota linguística sobre οὗτος) tento explicar a palavraοὗτος a partir da linguística cognitiva e a ambiguidade na semântica desta palavra, a quem interessar.

Por um lado, se entendemos que a expressão “os seus discípulos” é uma metonímia que se refere aos apóstolos em que Pedro está incluído.

Podemos dizer, por outro lado, que a referência a Pedro na fala de Jesus “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (δώσω σοι τὰς κλεῖδας τῆς βασιλείας τῶν οὐρανῶν, dar-te-ei as chaves do reino dos céus) é uma metonímia para apóstolos.

Sim, o pronome “te” (σοι) refere-se a Pedro. Mas considero que essa é uma referência metonímia em que a parte interpreta o todo: Pedro é uma parte dos apóstolos (todo).

Por outras palavras, a referência a Pedro é uma metonímia que aponta para os apóstolo, ou seja: os apóstolos têm a chave do reino dos seus e não somente Pedro.

Dito de outro modo, como os apóstolos não estão desconectados de Jesus, tendo este autoridade, ele a confere aos seus apóstolos, de sorte que a igreja está organizada sob o fundamentos dos apóstolos, que é Cristo.

A narrativa é curta. Além do seu tamanho, narrativas, como recursos literários, são estratégias para condensar[4] muito significado em poucas palavras. É isso que a presença de Pedro faz com base em sua fala.

A fala de Pedro e a de Jesus são recursos literários que condensam a teologia do FILHO DO HOMEM COMO AUTORIDADE QUE REPASSA AOS SEUS APÓSTOLOS.

A personagem Pedro é uma estratégia de integração conceptual[5] funcionando como metonímia para o referente APÓSTOLOS. A função de Pedro é sintetizar a relação de Jesus com FILHO DO HOMEM, os seus apóstolos e sua autoridade sobre a igreja.

Eis o fundamento da igreja:

O ensino dos apóstolos sobre a pessoa de Jesus como Filho do Homem. Este é o cerne da narrativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

  • A meu ver a narrativa é bem construída ao condensar muita coisa em poucas palavras. Essa é a função da técnica literária.
  • Jesus e Pedro são personagens importantes (figura) principalmente por causa de suas falas (técnica literária).
  • A fala dos demais discípulos serve de fundo para o desdobramento da narrativa.
  • O termo Filho do Homem é o referente temático (do que a narrativa está tratando) sendo sumarizado na expressão “sobre esta pedra”.
  • A expressão “sobre esta pedra” é ambígua a fim de dar unidade às falas dos discípulos, à de Jesus e à de Pedro.
  • Pedro é retomado por Jesus de modo metonímico como referência aos discípulos.
  • São os discípulos, e não somente Pedro, que têm as chaves da igreja.
  • A expressão “sobre esta pedra” condensa (integração conceptual) Jesus e seus apóstolos como os que têm autoridade sobre a igreja. A relação dos apóstolos e Jesus é metonímica/metafórica. A autoridade daqueles é derivada da autoridade deste.
  • Em meu artigo no meu blog (Nota linguística sobre οὗτος) tento lançar alguma luz para palavra οὗτος que é usada em Mateus 16:18.

REFERÊNCIAS

BAKKER, M; JONG, I. Narratological Theory of Speech. In: Speech in Ancient Greek Literature: Studies in Ancient Greek Narrative. Volume Five. (ed.) BAKKER, M; JONG, I. LEIDEN: BRILL, 2022.

LANGACKER, R. Cognitive Grammar: A basic introduction. Oxford: Oxford University Press, 2008.

LEVINSOHN, S. Towards a Unified Linguistic Description οὗτος and ἐκεῖνος. In: The Linguist as Pedagogue: Trends in the Teaching and Linguistic Analysis of the Greek New Testament. Sheffield: Sheffield Phoenix Press, 2009.


[1] LANGACKER, R. Cognitive Grammar: A basic introduction. Oxford: Oxford University Press, 2008.

[2] LEVINSOHN, S. Towards a Unified Linguistic Description οὗτος and ἐκεῖνος. In: The Linguist as Pedagogue: Trends in the Teaching and Linguistic Analysis of the Greek New Testament. Sheffield: Sheffield Phoenix Press, 2009.

[3] BAKKER, M; JONG, I. Narratological Theory of Speech. In: Speech in Ancient Greek Literature: Studies in Ancient Greek Narrative. Volume Five. (ed.) BAKKER, M; JONG, I. LEIDEN: BRILL, 2022.

[4] Este processo de condensação de significado é estudado pela linguística cognitiva com o termo integração conceptual (blending).

[5] DANCYGIER, B; SWEETSER, E. Figurative meaning. Cambridge: Cambridge Textbooks in Linguistics, 2014, pp73-98. 

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